
Introdução
“Se lá atrás alguém tivesse me dito para cair fora desse negócio de ser madrasta, eu não teria entrado nessa e não estaria sofrendo agora…”
Essa é uma das frases que mais escuto no consultório e nos grupos de madrastas. Muitas mulheres, diante de fases difíceis do relacionamento, olham para trás com arrependimento e acreditam que, se tivessem recebido um conselho de alerta, poderiam ter evitado dor e frustração.
É justamente por isso que escrevo este artigo: para compartilhar o conselho que gostaria de ter recebido como madrasta, aquele que realmente faz diferença, porque valida a dor, mas também abre caminho para transformação.
Mas será mesmo?
Esse tipo de pensamento tem nome: é o viés retrospectivo (hindsight bias). Ele faz parecer que o passado era mais previsível do que realmente foi. Quando estamos vivendo o sofrimento no presente, é natural imaginar que “se alguém tivesse me avisado, eu teria feito diferente”. Mas, na verdade, a decisão de entrar em um relacionamento com alguém que já tem filhos não foi feita no vazio: havia desejo, vínculo, amor e esperança.
Portanto, neste artigo, quero compartilhar com você por que esse raciocínio é enganoso, como funcionam os padrões emocionais que guiam nossas escolhas amorosas, o que a psicologia tem a dizer sobre isso e, principalmente, quais são os conselhos que realmente fazem diferença na vida de uma madrasta.
O viés retrospectivo: quando o cérebro engana a gente

O viés retrospectivo, também chamado de hindsight bias, é um fenômeno psicológico amplamente estudado por Daniel Kahneman e Amos Tversky, pioneiros nos estudos de vieses cognitivos e fundadores da economia comportamental.
Ou seja, ele se manifesta quando, depois que um evento já aconteceu, temos a impressão de que ele era “óbvio” ou “previsível”. No fundo, não era. É apenas o nosso cérebro tentando organizar a dor e dar sentido ao presente.
Quando uma madrasta diz: “Se eu soubesse, teria desistido antes de entrar nisso”, na verdade está olhando para trás com as lentes da frustração atual. Mas, no momento da escolha, havia algo maior: o amor pelo parceiro, o desejo de construir uma vida juntos, a esperança de que tudo daria certo e, mesmo se tivesse recebido algum aviso, a certeza de que com eles seria diferente.
Clinicamente, vejo isso todos os dias. Mulheres que, apaixonadas, acreditavam que conseguiriam lidar com a dinâmica de uma família já formada. E só depois, diante da rotina, das lealdades divididas e dos conflitos silenciosos, sentem o peso da escolha.
O viés retrospectivo dá a sensação de que “era óbvio que daria errado”. Contudo não era. Era uma aposta legítima, movida por sentimentos autênticos.
Se você quiser conhecer mais sobre esse conceito, recomendo a obra de Daniel Kahneman, Thinking, Fast and Slow (2011).
O mito do “eu teria escolhido diferente”
Outro ponto que precisa ser desfeito é a ideia de que controlamos 100% nossas escolhas amorosas. Isto é, parece que decidimos racionalmente quem amar, mas não é bem assim.
A Terapia do Esquema, de Jeffrey Young, nos mostra que carregamos desde a infância esquemas emocionais que moldam nossa forma de nos relacionar: abandono, rejeição, subjugação, auto-sacrifício, entre outros. Esses esquemas criam uma “química invisível” que nos atrai para certas histórias.
Na prática clínica, vejo madrastas dizerem:
“Eu sabia que ele tinha filhos, sabia que não seria fácil, no entanto, algo em mim dizia que comigo seria diferente”
Isso não é falta de juízo. É a força de padrões emocionais profundos que orientam nossa atração. Muitas vezes, escolhemos sem perceber que estamos sendo guiadas por algo além da razão.
E aqui está a verdade dura e libertadora: não é por acaso que cada madrasta está na história em que está. Existe uma lógica emocional invisível que conduziu para esse cenário.
As histórias que precisamos viver
Carl Jung dizia: “Aquilo a que resistimos, persiste. O que aceitamos, nos transforma.”
As histórias de madrastidade não são apenas sobre filhos ou ex-mulheres. Além disso, elas revelam contextos que ativam feridas antigas, mas que também oferecem a chance de cura.
Muitas madrastas que acompanho descobriram, no papel de madrasta, sentimentos que remetiam à infância: rejeição, competição, solidão. E, em vez de serem apenas fonte de sofrimento, esses sentimentos se tornaram portas para o autoconhecimento.
Por isso, não se trata apenas de “ter filhos ou não ter”. Acima de tudo, trata-se de como a vida nos coloca diante de cenários que tocam em nossas vulnerabilidades mais profundas e, ao mesmo tempo, abrem espaço para transformação.
Crescimento pós-traumático: da dor ao sentido

O sofrimento é parte inevitável da vida, mas o que fazemos com ele pode transformar completamente a nossa história. É aqui que entra o conceito de crescimento pós-traumático. Embora seja natural querer evitar a dor, muitos estudos mostram que é justamente em momentos de crise que encontramos novas formas de viver com mais propósito, resiliência e autenticidade.
Viktor Frankl: sentido no sofrimento
Viktor Frankl, psiquiatra austríaco e sobrevivente dos campos de concentração nazistas, escreveu em seu livro Em busca de sentido (1946) que o ser humano pode suportar quase tudo, desde que encontre um “porquê” para viver.
Frankl não falava em crescimento pós-traumático com esse nome, mas já intuía algo essencial: o sofrimento pode abrir caminho para descobertas profundas sobre quem somos e o que realmente importa.
Tedeschi e Calhoun: a ciência do crescimento pós-traumático
Na década de 1990, os psicólogos Richard Tedeschi e Lawrence Calhoun, da Universidade da Carolina do Norte, cunharam o termo Post-Traumatic Growth (PTG). Eles mostraram que, após eventos adversos, muitas pessoas relatam mudanças positivas em áreas como:
- maior apreciação pela vida,
- relações mais profundas e significativas,
- sensação de força interior,
- novos caminhos espirituais ou existenciais,
- redefinição de prioridades.
Esse crescimento não nega a dor, mas nasce dela.
A psicologia positiva e o florescimento
Décadas depois, a Psicologia Positiva, com autores como Martin Seligman e Sonja Lyubomirsky, incorporou esses achados e ampliou as pesquisas sobre resiliência, bem-estar e felicidade. A ideia central é clara: não basta reduzir sofrimento; é possível também promover florescimento humano a partir das adversidades.
O que isso tem a ver com madrastas?
Muitas madrastas relatam que, no início, só conseguiam ver dor: conflitos, solidão, ciúmes, sensação de inadequação. Mas, com o tempo e com suporte, descobrem que essas experiências abriram portas para algo maior:
- aprender a se posicionar com mais firmeza,
- resgatar autoestima,
- desenvolver empatia não só pelos enteados, mas também por si mesmas,
- redefinir prioridades e reconstruir relações mais saudáveis.
Na clínica, acompanho mulheres que entraram em terapia dizendo “eu não aguento mais” e, meses depois, conseguem afirmar: “essa experiência me transformou; não sou mais a mesma pessoa”.
Esse é o verdadeiro sentido do crescimento pós-traumático: não negar a dor, mas permitir que dela surja um novo modo de viver.
Histórias reais que inspiram

Esse fenômeno do crescimento pós-traumático não está apenas nos livros de psicologia ou nas pesquisas acadêmicas. Ele aparece de forma muito concreta nas histórias das madrastas que escuto todos os dias e também no meu livro, Novas Madrastas Além dos Rótulos.
A obra nasceu do desejo de reunir 14 relatos reais de madrastas brasileiras, mulheres que aceitaram expor suas vulnerabilidades e conquistas. Cada história é comentada por mim, como psicóloga especialista em famílias reconstituídas, trazendo reflexões clínicas e ferramentas para compreender as dinâmicas que surgem nesse papel tão complexo.
O mais impressionante é perceber como, mesmo diante de dores intensas como ciúmes, invisibilidade, solidão, conflitos com enteados, muitas dessas mulheres encontraram novos sentidos para suas vidas. Elas descobriram força interior, redefiniram prioridades e construíram vínculos afetivos onde antes parecia impossível.
É exatamente isso que Tedeschi e Calhoun chamaram de crescimento pós-traumático: mudanças positivas que emergem de experiências desafiadoras. E foi exatamente isso que vi florescer nas páginas desse projeto coletivo.
Ao escrever os comentários clínicos para cada capítulo, confirmei o que também observo em consultório: ser madrasta pode doer, mas também pode ser um caminho de cura, pertencimento e transformação.
Se você deseja mergulhar em histórias que ecoam com a sua e encontrar nelas reflexões práticas, convido a conhecer a obra:
Leia mais sobre Novas Madrastas Além dos Rótulos
A pergunta que realmente importa
Diante da dor, é comum perguntar: “Será que eu deveria ter entrado nisso?”
Mas talvez a pergunta mais transformadora seja outra:
“O que essa experiência está me mostrando sobre mim, sobre meus limites e sobre meu crescimento?”
Esse deslocamento muda tudo. Em vez de olhar para trás com arrependimento, a madrasta olha para dentro com curiosidade e coragem.
Ao longo dos anos, percebi que o conselho que gostaria de ter recebido como madrasta não era para desistir da relação, mas sim aprender a buscar suporte e informação especializada.
No consultório, quando faço essa pergunta, percebo um alívio imediato. O sofrimento não some, mas ganha significado. Ele deixa de ser um peso sem sentido e passa a ser um convite para amadurecimento.
O verdadeiro conselho que gostaria de ter recebido como madrasta

Se eu pudesse voltar no tempo e dar um único conselho para mim mesma, seria este:
busque informação, busque clareza!
A Bíblia já nos lembra em Oseias 4:6: “O meu povo perece por falta de conhecimento”. Isso vale para a vida em geral, mas se aplica com ainda mais força à madrastidade.
Muitas de nós entramos em relações sem imaginar a complexidade de uma família reconstituída. Fomos movidas pelo amor, mas sem nenhuma referência sobre o que esperar. O resultado? Frustração, solidão e a sensação de que estamos falhando.
Com informação, tudo muda:
- Você entende que a família reconstituída não é intuitiva, porque nossa referência cultural é a família nuclear.
- Você descobre que o tempo de adaptação não é de meses, mas de anos.
- Você aprende que sentimentos difíceis como ciúme, ranço e insegurança não são sinal de maldade, mas reações humanas normais diante de contextos complexos como os estágios de desenvolvimento de uma família reconstituída.
- Você percebe que não está sozinha, que existem outras madrastas vivendo as mesmas dores e descobertas.
Esse é o conselho central. Portanto, antes de pensar em como agir, em como se colocar ou até em como se sentir, é preciso ter consciência e informação. Só assim é possível fazer escolhas de forma livre e saudável.
Outros conselhos vêm depois, como cuidar da relação conjugal, respeitar seus limites, abrir espaço para construir vínculos no tempo certo. Mas nada disso funciona sem a base do conhecimento.
Leia também: Por que precisamos falar do Dia da Madrasta?
O caminho do suporte especializado
Como já foi dito anteriormente, a dinâmica da família reconstituída não é intuitiva. A referência cultural que temos é a família nuclear: pai, mãe e filhos biológicos. Quando tentamos aplicar esse modelo às famílias reconstituídas, o resultado costuma ser confusão e frustração.
E aqui está um alerta importante: procurar ajuda com profissionais sem preparo pode aumentar a dor. Muitas madrastas relatam que ouviram de terapeutas generalistas frases como “trate como se fosse seu filho” ou “é só ter paciência que dá certo”. Esse tipo de orientação, sem embasamento, aprofunda feridas em vez de curá-las.
No Brasil, ainda temos pouquíssimos profissionais especializados em famílias reconstituídas. Foi diante dessa realidade que criei o Método Nova, minha mentoria estruturada para madrastas.
Ele se apoia em três pilares:
- Informação especializada e essencial, estruturada sobre os pilares da psicologia baseada em evidência (PBE)..
- Encontros ao vivo e comunidade, para que nenhuma madrasta caminhe sozinha.
- Um passo a passo estruturado, que guia cada mulher desde a nomeação de sentimentos até a construção de vínculos saudáveis.
Esse tripé garante clareza, acolhimento e transformação real.
Conclusão: o verdadeiro conselho
O conselho que eu gostaria de ter recebido antes de ser madrasta não é “cai fora” ou “fuja, saia correndo!”.
O verdadeiro conselho é: você precisa de informação especializada e não precisa passar por isso sozinha.
Com suporte especializado, é possível transformar dor em crescimento, solidão em pertencimento e insegurança em clareza.
E, para tornar essa caminhada mais acessível, criei o Setembro Especial, com oportunidades exclusivas para madrastas que buscam alívio e novos caminhos.
Clique aqui para conhecer o Setembro Especial e dar seus próximos passos