Aprenda a criar fronteiras respeitosas com ex-parceiros para uma coparentalidade harmoniosa e um ambiente familiar saudável para todos.
Em famílias reconstituídas, a relação com ex-parceiros pode ser um dos maiores desafios a enfrentar. Estabelecer limites saudáveis não é apenas importante para seu bem-estar emocional e seu novo relacionamento – é fundamental para o desenvolvimento equilibrado dos filhos que transitam entre diferentes lares.

Por que limites são essenciais
O impacto de fronteiras confusas na nova família
Quando os limites com ex-parceiros não estão claramente definidos, toda a dinâmica da nova família é afetada. Patricia Papernow, especialista em famílias reconstituídas, observa que “fronteiras porosas ou confusas criam um ambiente de instabilidade e ansiedade para todos os envolvidos.”
Essa falta de clareza pode manifestar-se de diversas formas:
- Interferência constante nas rotinas da nova família
- Decisões unilaterais sobre os filhos sem consulta prévia
- Comunicação excessiva ou em horários inapropriados
- Comentários sobre a vida pessoal ou o novo relacionamento
- Expectativas de disponibilidade imediata e irrestrita
Como explica Ron Deal em “The Smart Stepfamily”, “sem limites claros, a nova família nunca consegue estabelecer sua própria identidade e ritmo. É como tentar construir uma casa com as portas sempre abertas para vendavais.”
Sinais de que os limites estão sendo ultrapassados
Reconhecer quando os limites estão sendo desrespeitados é o primeiro passo para estabelecer fronteiras mais saudáveis. Segundo Wednesday Martin, autora de “Stepmonster”, estes são alguns sinais comuns:
Comunicação inadequada:
- Ligações ou mensagens frequentes sem urgência real
- Contato direto com seu atual parceiro para “resolver” questões sobre os filhos
- Discussões sobre assuntos não relacionados aos filhos
- Comentários negativos sobre você ou sua nova família
Interferência nas decisões:
- Questionar regras estabelecidas em sua casa
- Tentar alterar acordos de última hora
- Fazer promessas aos filhos sem consultar você
- Agendar atividades durante seu tempo com os filhos sem comunicação prévia
Violação de privacidade:
- Fazer perguntas aos filhos sobre sua vida pessoal
- Aparecer sem aviso em sua residência
- Usar os filhos como mensageiros ou “espiões”
- Compartilhar informações pessoais suas com terceiros
Como ressalta Linda Albert em “The Stepfamily: Living, Loving and Learning”, “estes comportamentos raramente são reconhecidos como problemáticos por quem os pratica, mas causam estresse significativo em toda a família.”
Reflexão: Quais desses sinais você identifica em sua relação de coparentalidade? Como esses comportamentos têm afetado sua família reconstituída?
Estratégias para estabelecer limites claros
Comunicação assertiva sem confronto
A comunicação assertiva permite estabelecer limites com firmeza, mas sem hostilidade. Elizabeth Einstein, especialista em famílias reconstituídas, recomenda uma abordagem “firme e amigável”:
Técnica do “sanduíche”:
- Comece com algo positivo
- Apresente claramente o limite
- Termine com uma nota construtiva
Exemplo prático: “Agradeço seu interesse nas atividades escolares das crianças (positivo). No entanto, precisamos combinar que mudanças na rotina de estudos sejam discutidas por nós dois antes de serem implementadas (limite). Acredito que quando coordenamos nossas abordagens, os resultados são melhores para eles (construtivo).”
Utilize declarações com “eu”: Em vez de: “Você está sempre me ligando em horários inconvenientes.” Prefira: “Eu consigo responder melhor às questões sobre as crianças quando conversamos entre 18h e 20h, a menos que seja uma emergência.”
Mantenha o foco nos filhos: Em vez de: “Você não respeita minha privacidade.” Prefira: “Para mantermos uma coparentalidade eficaz, precisamos focar nossas conversas nas necessidades das crianças.”
Patricia Papernow sugere praticar estas conversas antecipadamente com seu parceiro atual ou um amigo de confiança. “A preparação reduz a chance de reagir emocionalmente no momento da conversa real”, explica ela.
Documentando acordos e decisões
Documentar acordos não é sinal de desconfiança, mas uma prática que protege todos os envolvidos, reduzindo mal-entendidos e conflitos futuros.
Métodos eficazes de documentação:
- E-mails de confirmação: Após conversas importantes, envie um e-mail resumindo os pontos acordados: “Conforme conversamos hoje, concordamos que…”
- Calendário compartilhado: Utilize ferramentas como Google Calendar ou Apple Calendar para registrar visitas, eventos escolares e compromissos médicos.
- Mensagens de texto: Para decisões rápidas do dia a dia, mensagens de texto proporcionam registro datado e claro.
- Documentos formais: Para acordos mais significativos, considere criar documentos assinados por ambas as partes, especialmente para questões financeiras ou mudanças no regime de visitas.
Ron Deal recomenda manter um tom neutro e factual nessas comunicações: “O objetivo não é ‘pegar’ o outro em contradições, mas criar clareza e previsibilidade para todos.”
Usando aplicativos de coparentalidade
A tecnologia oferece ferramentas específicas para facilitar a comunicação e organização entre pais separados.
Aplicativos recomendados por especialistas:
- OurFamilyWizard: Oferece calendário, registro de despesas, diário e mensagens documentadas.
- Talking Parents: Foca em comunicação segura e verificável, com registros que não podem ser editados após o envio.
- 2Houses: Inclui calendário, informações médicas, álbum de fotos e gerenciamento de despesas.
- AppClose: Opção gratuita com recursos de mensagens, solicitações de troca de visitas e rastreamento de despesas.
Mavis Heatherington, em suas pesquisas sobre divórcio e recasamento, observou que “famílias que utilizam ferramentas estruturadas de comunicação relatam menos conflitos e maior satisfação com os arranjos de coparentalidade.”
Benefícios principais:
- Redução de comunicação emocional
- Registro permanente de acordos
- Transparência nas questões financeiras
- Menos oportunidades para conflitos pessoais
Dica prática: Ao propor o uso de um aplicativo, enfatize como ele beneficiará os filhos: “Gostaria de sugerir usarmos o aplicativo X para organizarmos melhor as informações das crianças e garantir que ambos tenhamos acesso a tudo que é importante para elas.”

Lidando com ex-parceiros difíceis
Técnicas de comunicação para situações tensas
Mesmo com as melhores intenções, haverá momentos de tensão na comunicação com ex-parceiros. Bill Eddy, especialista em conflitos de alto nível, desenvolveu o método BIFF para estas situações:
B – Breve (Brief): Mantenha a comunicação concisa e focada
I – Informativo (Informative): Forneça apenas fatos relevantes
F – Amigável (Friendly): Use tom neutro ou cordial, nunca hostil
F – Firme (Firm): Seja claro sobre o que precisa acontecer
Exemplo prático: Ex-parceiro: “Você sempre complica tudo! Não sei por que não posso simplesmente pegar as crianças mais cedo na sexta. Você está tentando me impedir de passar tempo com eles só para me irritar!”
Resposta BIFF: “Obrigada por seu interesse em ajustar o horário (amigável). Infelizmente, as crianças têm apresentação escolar na sexta até às 18h (informativo). Podemos manter o horário normal de 19h ou, se preferir, você pode encontrá-los diretamente na escola às 18h para assistir à apresentação (firme). Por favor, me avise o que funciona melhor para você até quarta-feira (breve).”
Outras estratégias úteis:
- Técnica da agulha travada: Quando o ex-parceiro insiste em discutir temas não relacionados aos filhos, repita calmamente: “Estou aqui para discutir o horário de busca das crianças. Podemos focar nisso agora?”
- Pausa estratégica: “Preciso pensar sobre isso. Vou responder amanhã.” Isso evita reações impulsivas em momentos emocionais.
- Comunicação paralela: Em casos de conflito intenso, minimize a comunicação direta. Use aplicativos, e-mail ou, quando necessário, intermediários.
Wednesday Martin enfatiza que “responder emocionalmente a provocações apenas alimenta o ciclo de conflito. A não-reatividade é uma poderosa ferramenta de estabelecimento de limites.”
Quando e como envolver mediação profissional
Há situações em que a ajuda externa se torna necessária para estabelecer e manter limites saudáveis.
Sinais de que a mediação pode ser necessária:
- Comunicação constantemente hostil ou inexistente
- Incapacidade de chegar a acordos sobre questões básicas
- Uso dos filhos como mensageiros ou “armas” no conflito
- Violações repetidas de acordos estabelecidos
- Impacto visível do conflito no bem-estar emocional dos filhos
Tipos de mediação disponíveis:
- Mediação familiar: Processo voluntário com profissional neutro que facilita acordos
- Coordenação parental: Mais estruturada, geralmente ordenada pelo tribunal para casos de alto conflito
- Terapia de coparentalidade: Foca em melhorar a comunicação e dinâmicas relacionais
- Advogados colaborativos: Trabalham para resolver disputas sem litígio adversarial
Patricia Papernow observa que “buscar ajuda profissional não é sinal de fracasso, mas de compromisso com o bem-estar dos filhos.”
Como propor mediação:
Aborde o tema enfatizando benefícios mútuos: “Tenho notado que estamos tendo dificuldade em chegar a acordos sobre [tema específico]. Gostaria de sugerir trabalharmos com um mediador para nos ajudar a encontrar soluções que funcionem para todos, especialmente para as crianças.”
Dica prática: Muitos tribunais de família oferecem serviços de mediação gratuitos ou de baixo custo. Programas comunitários e universidades com departamentos de psicologia ou direito também podem ter recursos acessíveis.
Protegendo seu relacionamento atual
Separando questões parentais das conjugais
Um dos maiores desafios em famílias reconstituídas é evitar que as tensões com ex-parceiros contaminem o novo relacionamento. Ron Deal enfatiza a importância de criar “compartimentos saudáveis”:
“As questões de coparentalidade precisam ter seu espaço próprio, separado da intimidade do casal atual. Quando esses limites se confundem, ambos os relacionamentos sofrem.”
Estratégias práticas para separação saudável:
- Tempo designado: Reserve momentos específicos para discutir questões de coparentalidade com seu parceiro atual, evitando que dominem todas as conversas.
- Zona livre de ex: Estabeleça períodos (como jantares ou finais de semana especiais) onde assuntos relacionados a ex-parceiros não são discutidos.
- Comunicação direta: Quando possível, mantenha a comunicação sobre os filhos diretamente entre os pais biológicos, sem usar o novo parceiro como intermediário.
- Privacidade respeitosa: Nem tudo sobre sua comunicação com o ex-parceiro precisa ser compartilhado com seu parceiro atual. Use discernimento.
Elizabeth Einstein sugere uma pergunta-filtro útil: “Esta questão afeta diretamente nosso relacionamento atual ou é algo que posso gerenciar independentemente como parte da minha responsabilidade parental?”
Construindo união no casal frente a interferências
A união do casal em famílias reconstituídas frequentemente enfrenta pressões externas, especialmente de ex-parceiros. Fortalecer esta união requer esforço consciente.
Práticas recomendadas por especialistas:
- Frente unida com flexibilidade: Apresentem decisões como casal, mas mantenham flexibilidade nos detalhes. Como explica Patricia Papernow: “Mostrem união nos princípios, mesmo que haja adaptação na implementação.”
- Validação mútua: Reconheçam os desafios que cada um enfrenta. Para o parceiro biológico: “Entendo como é difícil equilibrar as necessidades de todos.” Para o padrasto/madrasta: “Reconheço que esta situação traz complexidades únicas para você.”
- Rituais de reconexão: Após interações estressantes com ex-parceiros, pratiquem rituais que reafirmem sua conexão como casal (uma caminhada juntos, uma refeição especial, ou simplesmente um momento de conversa tranquila).
- Foco no “nós”: Cultivem narrativas e experiências que fortaleçam sua identidade como casal e família. Como sugere Ron Deal: “Construam intencionalmente sua história de ‘nós’, independente das histórias anteriores.”
Exemplo de diálogo fortalecedor:
Parceiro 1: “A conversa com meu ex hoje sobre as férias foi realmente tensa.”
Parceiro 2: “Imagino que tenha sido difícil. Como você está se sentindo?”
Parceiro 1: “Frustrado, principalmente. Mas quero deixar isso de lado agora e focar em nós. Podemos fazer algo agradável esta noite?”
Parceiro 2: “Claro. Aprecio você compartilhar isso comigo e também querer proteger nosso tempo juntos.”
Wednesday Martin ressalta que “os casais mais resilientes em famílias reconstituídas são aqueles que conseguem ver os desafios externos não como ameaças, mas como oportunidades para fortalecer sua união.”
Estabelecendo limites específicos para situações comuns
Limites em eventos familiares e celebrações
Ocasiões especiais como aniversários, formaturas e feriados frequentemente geram tensões em famílias reconstituídas. Patricia Papernow recomenda planejar com antecedência:
Opções para eventos importantes:
- Celebrações separadas: Cada lar realiza sua própria comemoração
- Celebrações consecutivas: Eventos sequenciais no mesmo dia
- Celebrações conjuntas: Todos os adultos participam juntos (apropriado apenas quando há baixo nível de conflito)
Exemplo prático: “Para o aniversário de 10 anos de Mariana, concordamos que haverá uma festa com amigos no sábado na minha casa, e um almoço familiar no domingo na casa do pai. Ambos os eventos serão comunicados na escola como celebrações oficiais.”
Limites na comunicação digital e redes sociais
A tecnologia criou novas fronteiras que precisam ser gerenciadas em relações de coparentalidade.
Diretrizes recomendadas:
- Horários apropriados: Estabeleçam períodos específicos para comunicação não emergencial
- Canais adequados: Determinem quais plataformas serão usadas para diferentes tipos de comunicação
- Privacidade nas redes sociais: Acordem sobre o compartilhamento de fotos e informações das crianças
- Acesso direto às crianças: Definam regras claras sobre contato digital durante o tempo com o outro genitor
Exemplo de acordo: “Concordamos que chamadas de vídeo com o genitor que não está com as crianças acontecerão às terças e quintas às 19h, por no máximo 15 minutos. Em caso de eventos especiais, o genitor pode solicitar uma chamada adicional com 24h de antecedência.”
Considerações finais
Estabelecer limites saudáveis com ex-parceiros é um processo contínuo que requer paciência, consistência e flexibilidade. Como ressalta Ron Deal, “o objetivo não é criar muros, mas fronteiras permeáveis que permitam a coparentalidade eficaz enquanto protegem a integridade de cada lar.”
Lembre-se de que:
- Os limites existem para promover relacionamentos saudáveis, não para punir ou excluir
- A consistência é essencial para que os limites sejam respeitados
- Ajustes serão necessários conforme as circunstâncias mudam e as crianças crescem
- O foco deve permanecer sempre no bem-estar dos filhos
Patricia Papernow conclui: “Quando os adultos conseguem estabelecer limites claros e respeitosos entre si, criam um modelo poderoso para as crianças sobre relacionamentos saudáveis – talvez o legado mais valioso que possam deixar.”
Recursos Adicionais
Livros Recomendados:
- “Boundaries: When to Say Yes, How to Say No” por Henry Cloud e John Townsend
- “BIFF: Quick Responses to High-Conflict People” por Bill Eddy
- “The Co-Parenting Handbook” por Karen Bonnell
Aplicativos de Coparentalidade:
- OurFamilyWizard (www.ourfamilywizard.com)
- Talking Parents (www.talkingparents.com)
- 2Houses (www.2houses.com)
Serviços de Apoio:
- Mediação Familiar através dos Tribunais de Família locais
- Conselho Nacional de Justiça – Programas de Mediação
- Associação Brasileira de Terapia Familiar (www.abratef.org.br)
Este artigo foi desenvolvido com base nas pesquisas e obras de especialistas reconhecidos em famílias reconstituídas, incluindo Patricia Papernow, Ron Deal, Wednesday Martin, Elizabeth Einstein, Bill Eddy e Linda Albert. As estratégias apresentadas são fundamentadas em evidências e práticas recomendadas por profissionais da área.
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